A Sociologia em Teodoro & Sampaio

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de Mauricio Daniel, diretamente de Barretos/NY


Difícil imaginar que, no âmago da cultura pop-sertaneja brasileira, existam esforços direcionados à discussão e elucidação de problemas da área acadêmica das Humanidades. Ativos desde 1980, Aldair (Teodoro) e Gentil (Sampaio) desempenham importante papel ao levantar, nas composições que interpretam, questões e reflexões próprias da Sociologia. Um verdadeiro alívio no atual cenário lírico-musical, que parece julgar mais relevante tratar de complexas indagações como "Eu vou pegar você e tãe tãe tãe" ou "eu quero tchu/tchan/glu".
Gozando de considerável sucesso, inclusive internacionalmente, a dupla nunca desviou de delicadas problemáticas sociais e atacou firmemente estruturas estabelecidas e conformismos dos velhos padrões brasileiros. Ouso dizer que passou da hora dos acadêmicos do país dedicarem suas atenções para uma análise completa da obra de Teodoro & Sampaio, que certamente contribuiria para o enriquecimento dos estudos sociais. Fikdik para uma boa tese de doutoramento ;)
Enquanto a dupla ainda permanece no obscuro oceano do cult e não cai nas graças das universidades e crítica, o Mídia ao Sugo, como defensor da cultura de raízes populares, faz sua parte e explora os aprofundamentos presentes em algumas das canções mais contundentes do repertório dos sertanejos:


Mulher Chorona




Eta mulher chorona
Chora feito uma sanfona
Arruma as malas
E diz que vai embora
Dali a pouco se arrepende
E chora...(2x)


Evidentemente, Mulher Chorona representa um verdadeiro manifesto em nome das causas feministas e de maior expressão da mulher no contexto social. Afirmando a tristeza no choro da femme, a dupla deixa claro que o caminho feminino para maior representação foi árduo e trabalhoso, e mesmo implicita que a questão ainda está longe de um fim.
Interessante notar que o comentário social aqui vem ácido e irônico, acompanhado de um instrumental esperto que mistura a sanfona rápida com guitarras incisivas. As mulheres realmente conquistaram muito nos últimos tempos, mas será que atingimos um ponto ideal? Teodoro & Sampaio discordam prontamente e não têm medo de expor seu ponto de vista. Admirável.

Ela Apaixonou Num Moto-boy




Ela apaixonou num moto-boy, agora o que, que eu vou fazer
Os dois andando numa moto, eu aqui na fossa pedi pra morrer.
Ela apaixonou num moto-boy tô perdendo a minha fé
Moto-boy tem mais dinheiro eu tô quebradinho, tô andando a pé.

Aqui a dupla mostra que não está disposta a esquivar-se dos corredores labirínticos da Economia: ilustra com o moto-boy a tão falada ascensão das classes econômicas C e D. Na letra, o eu-lírico lamenta a perda da pessoa amada e chega a admitir sua admiração pelo concorrente ("moto-boy tem mais dinheiro...").
Um verdadeiro passo de mestre, a canção une a melodia intensa com argumentos incendiários. A mensagem é incisiva e direcionada aos que se inconformam com as reconfigurações econômicas brasileiras. Clássico.

Lobisomem Apaixonado



Sou lobisomem apaixonado,
O seu bem-amado, sou bicho feroz
Na sexta-feira a lua é cheia, a coisa fica feia
Ninguém pode co nóis (sic)

Esta foge do tema, mas merece menção. Em Lobisomem Apaixonado, os sertanejos ousam e fazem referências literárias, em especial ao realismo fantástico de Jorge Luis Borges. Narrando as desventuras de um licantropo, um misto de besta e humano notívago e mortal, a letra lança mão de figuras de linguagem espertas e dinâmicas. Destaque para a passagem "o meu corpo é peludo/na verdade eu sou tudo que a mulher deseja", que sugere sensualidade à la Tony Ramos aliada com o estranhamento. 
No decorrer da canção, ainda surgem indícios de que Aldair e Gentil andaram lendo muito H.P. Lovecraft e Allan Poe. Mais do que um par de rostinhos bonitos, a dupla preocupa-se com questões sociais e não se acanha na hora de mostrar vasto repertório cultural.
N. do E.: - outra possível influência para a música está em uma fanfiction de Harry Potter, um texto corajoso e um tanto exótico.

Filho da Tuta




Sai pra lá seu pestinha, sai pra lá
Você não é meu filho, eu ainda vou provar
Sai pra lá seu pestinha, sai pra lá
Sua mãe está mentindo, para me provocar

As últimas quatro décadas trouxeram o assunto das responsabilidades sociais à tona com cada vez mais vigor. Com o aumento de técnicas contraceptivas e a queda de muros morais da questão sexual, nunca estivemos tão avançados no mundo moderno. No entanto, as mudanças trazem consigo síndromes também propriamente modernas: filhos que não tiveram a paternidade reconhecida são um bom exemplo. Teodoro & Sampaio, mais uma vez mostrando-se sensíveis ao panorama das discussões atuais, destilam dois minutos e cinquenta segundos de puro ataque ao moralismo. 
Colocando o eu-lírico como um pai que não reconhece o filho, a letra toca na ferida de uma infinidade de casos no país todo. A ironia persiste nas provocações, questionando a validade de testes como o exame de DNA (ver Programa do Ratinho). Destaque também para o trocadilho envolvido no substantivo próprio "Tuta", que pode levar a diversas interpretações.

Pitoco




Liguei pra lá, Pitoco atendeu
"Tem alguém aí?"
"Au, au, au..." - Ele respondeu.
"É algum marmanjo?"
"Au, au, au.. " - Assim confirmou
"Ele ta na sala?"
"Au, au..." - Pitoco negou
"Ele ta no quarto?"
"Au, au, au.. " - Assim confirmou
"Faz tempo?"
"Auuuuuuuu..." - Pitoco uivou
"Que que eles tão fazendo Pitoco?"
"ashuashuashua"
Pitoco fungou, a casa caiu
É mais um caso que acontece no Brasil


Pra fechar com chave de ouro, uma verdadeira obra de arte. De primeira, fica difícil acreditar que exista comentário social em Pitoco, mas uma segunda audição já revela seu aprofundamento. Contando a história de um cachorro de inteligência anormal que é usado para desmascarar um adultério, a letra promove convivência harmônica entre discurso direto e indireto, num uso belíssimo que trecho acima pode provar.
A sociologia aqui é velada e lida com uma questão quase nunca explorada: a relação dos humanos com seus animais de estimação. Como saber se não os submetemos a uma vida intelectual reduzida e a padrões forçados de comportamento? Existe até uma grande chance de sermos mentalmente inferiores a eles, como o cãozinho Pitoco denuncia. Um primor! Vale a audição também pelo ritmo, um forró de sanfona esperta, com participações indispensáveis do canino.


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